Nova legislação das associações de proteção veicular promete reorganizar o setor
16/09/2025

a nova legislação setorial reorganiza profundamente o universo da proteção veicular no Brasil e cria um padrão mínimo de governança, padronização contratual e transparência que beneficia diretamente associados e associações, inclusive nos nichos de veículos antigos e de coleção. A Lei Complementar 213/2025 introduz a obrigatoriedade de vinculação das associações a uma administradora, prevê detalhamento infralegal pelo Conselho Nacional de Seguros Privados e estabelece um período de transição com prazo final de adequação até 2028, em um mercado estimado em cerca de 10 milhões de veículos protegidos. Em termos jurídicos, o novo marco confere maior segurança às relações, reduz a assimetria de informação e demanda das entidades um programa efetivo de compliance, controles financeiros, padronização de contratos e políticas de dados. Para o associado, o reflexo prático é previsibilidade: regras mais claras de cobertura, rateio, carência, franquia, regulação de sinistros, proteção de dados e canais de atendimento e recurso.

Contexto regulatório e alcance da Lei Complementar 213/2025

O setor de proteção veicular, até aqui predominantemente autorregulado, passa a operar sob um marco normativo explícito. A LC 213/2025 exige que as associações estejam vinculadas a administradoras responsáveis pela gestão operacional e financeira e antecipa que os detalhes técnicos serão definidos por normativos do CNSP. O legislador reconhece o caráter associativo de benefício mútuo, preserva essa natureza jurídica e, simultaneamente, impõe salvaguardas para mitigar riscos de opacidade contratual, fragilidade de controles e conflitos sobre cobertura. O horizonte de adequação até 2028 busca conciliar estabilidade setorial e tempo hábil para implantação de sistemas, auditorias, políticas internas e revisão de regulamentos.

Natureza jurídica da proteção veicular e distinção em relação ao seguro

Juridicamente, proteção veicular resulta de vínculo associativo de socorro mútuo, regido por estatuto e regulamento, com incidência dos princípios gerais do direito privado e, conforme o caso, das normas de defesa do consumidor. Não se trata de contrato de risco típico do mercado segurador. Essa distinção é relevante para: fonte normativa aplicável, linguagem contratual, regime de rateio e carência, modo de formação do preço (contribuição associativa), obrigações acessórias de governança e prestação de contas. A LC 213/2025 não “transforma” proteção em seguro; organiza o ecossistema associativo e eleva o padrão de transparência e governança, sem desnaturá-lo.

Eixos centrais do novo marco: administradora, padronização e transparência

Três pilares orientam a reconfiguração do setor. Primeiro, a vinculação das associações a uma administradora, que profissionaliza rotinas de arrecadação, pagamento, conciliação, auditoria e relatórios. Segundo, a padronização contratual, com cláusulas mínimas sobre coberturas, exclusões, rateio, franquia, carências, método de apuração de perda total, elegibilidade e rito de atendimento. Terceiro, a transparência: exigência de comunicação clara, indicadores públicos de sinistralidade e canais de atendimento e ouvidoria. A soma desses vetores reduz litigiosidade e permite comparabilidade entre planos.

Impactos práticos imediatos para associações e associados

Para as entidades, o impacto imediato é organizacional: revisão de regulamentos, contratos, políticas de dados, formação de comitês de risco e conformidade, seleção e contratação da administradora e implantação de sistemas de monitoramento e reporte. Para os associados, a mudança se materializa em documentos mais claros, processos mais padronizados, atendimento com prazos e protocolos definidos e maior previsibilidade dos custos de rateio e franquia. Também tende a cair a percepção equivocada de ilegalidade do modelo associativo, substituída por uma compreensão mais técnica sobre o regime e sua conformidade.

Por que a reorganização é especialmente oportuna para veículos antigos e de coleção

Carros antigos e de coleção concentram três dificuldades clássicas: valoração acima da FIPE, escassez de peças e prazos de reparo longos. O ambiente de padronização contratual e governança induzido pela LC 213/2025 favorece soluções como valor acordado embasado por laudo, política explícita de peças e oficinas especializadas e desenhos de assistência 24 horas adequados (guincho plataforma, quilometragem ampliada, cobertura de queda durante transporte). Ao delimitar com mais rigor metodologias e controles, o novo marco reduz as zonas cinzentas que usualmente motivam disputas.

Padronização contratual: cláusulas mínimas essenciais

Um regulamento aderente ao novo ambiente deve, ao menos, contemplar: objeto e extensão da cobertura; riscos excluídos; elegibilidade e vistoria; franquias e metodologia de aplicação; carências definidas por risco; rateio com fórmula, limite e periodicidade; critério de perda total vinculado a percentuais e a uma base de referência; método de valoração do bem (FIPE, valor acordado com laudo); política de peças (originais, similares, recondicionadas com procedência); regras de oficinas (credenciadas e livre escolha condicionada a validação técnica); canais e prazos de atendimento; proteção de dados; rito recursal e de ouvidoria. A clareza dessas cláusulas limita a litigiosidade e facilita auditorias.

Governança, compliance e papel da administradora

A administradora passa a ser eixo operacional e de controle: consolida fluxos financeiros, suporta a prestação de contas, estabelece indicadores-chave (sinistralidade, tempo médio de regulação, participação de rateio), oferece trilhas de auditoria e implementa segretação de funções críticas (subscrição, regulação de sinistros, tesouraria e auditoria interna). A associação, por sua vez, define diretrizes, aprova políticas, supervisiona a administradora e mantém instâncias de governança (conselho, comitê de riscos e de conformidade). A LC 213/2025 impulsiona esse desenho, com efeitos positivos de segurança jurídica e previsibilidade.

Cronograma de adequação: do planejamento à conformidade integral

Embora o CNSP venha a detalhar marcos infralegais, o prazo final para conformidade até 2028 sugere um roteiro mínimo de quatro fases: diagnóstico regulatório e mapeamento de lacunas; contratação da administradora, revisão documental e definição de políticas; implantação de sistemas, treinamento e pilotos; operação assistida, auditorias e ajustes. O planejamento financeiro deve considerar custos de transição, atualização de sistemas, eventuais consultorias e auditorias independentes. A comunicação com a base de associados é pilar de sucesso: transparência em cada etapa evita ruídos e preserva confiança.

Tabela comparativa: antes e depois do novo marco

Dimensão Antes da LC 213/2025 Depois da LC 213/2025 Benefício jurídico esperado
Governança Alta heterogeneidade Administradora obrigatória, com padrões mínimos Redução de risco operacional e financeiro
Contratos Linguagem e cláusulas díspares Padronização mínima e transparência Menos litígios por interpretação
Prestação de contas Práticas díspares Indicadores, sinistralidade e comunicação periódica Maior previsibilidade para associados
Proteção de dados Maturidade variável Políticas e controles alinhados a boas práticas Menos incidentes e responsabilização
Assistência 24h Sem requisitos específicos Protocolos e métricas compatíveis Segurança operacional e aferição de SLA
Cronograma Sem horizonte normativo Adequação até 2028 Transição ordenada e auditável

Regulação de sinistros no novo ambiente: rito, prova e decisão

A padronização não elimina a necessidade de análise técnica do caso concreto. Um rito recomendável segue cinco passos: comunicação tempestiva, documentação mínima obrigatória, vistoria e orçamentos, decisão fundamentada com base nas cláusulas e ciência do associado com canais de recurso. A decisão deve explicitar base de valoração, aplicação de franquia, cálculo de rateio (se houver), enquadramento como perda parcial ou total, critérios de peças e prazos. Em disputas, a trilha de auditoria e as métricas de atendimento reduzem o espaço para alegações de arbitrariedade.

Valoração do bem: FIPE, valor acordado e consequências jurídicas

A LC 213/2025 tende a induzir clareza sobre a base de valoração por duas razões: previsibilidade e conformidade. A FIPE uniformiza, mas pode ser insuficiente para colecionáveis; o valor acordado, lastreado em laudo e dossiê fotográfico, resolve o “gap” e reduz contencioso sobre quantum. A escolha deve ser expressa, com atualização periódica e critérios objetivos de revisão (estado, originalidade, mercado específico). Em qualquer cenário, a comunicação ao associado é determinante para alinhar expectativas.

Peças, oficinas e preservação de valor em veículos especiais

O ponto crítico para clássicos e restomods é a qualidade do reparo. Políticas explícitas devem priorizar peças originais quando existentes, admitir similares de qualidade equivalente quando ausentes e exigir procedência e garantia. Oficinas especializadas podem ser autorizadas mediante orçamento compatível com o mercado, cronograma e critérios de inspeção. O controle sobre etapas críticas (funilaria, preparação, pintura, montagem) deve ser documentado e fotografado para preservar valor e reduzir disputas futuras.

Assistência 24 horas como obrigação de meio qualificada

Para veículos antigos, protocolos operacionais de assistência (guincho plataforma, cintas macias, ângulo de ataque, proteção de cromados e pontos de ancoragem corretos) deixam de ser “mimos” e se convertem em obrigação de meio qualificada. A padronização permitirá medir SLA, quilometragem efetiva e taxa de sucesso no transporte sem danos. Coberturas específicas, como queda durante transporte e reboque de longa distância, alinham o serviço à realidade logística do segmento.

Rateio, carência e franquia: como comunicar e aplicar

O rateio, quando previsto, deve ter fórmula clara, teto, periodicidade e antecedência de comunicação. Carências precisam ser objetivas e proporcionais ao risco (por exemplo, sazonalidade de enchentes). Franquias devem ser aplicáveis apenas a danos parciais, com valores e condições previamente informados. A LC 213/2025 incentiva a transparência desses três elementos e, por consequência, reduz a assimetria que no passado alimentou litígios.

Proteção de dados, telemática e prova digital

Rastreadores e aplicativos geram dados de geolocalização, ignição e deslocamento. Sob o novo ambiente, o tratamento desses dados deve observar finalidade, minimização, controles de acesso, retenção e registros de auditoria. Em incidentes, relatórios com metadados, logs, prints e identificação do dispositivo formam prova útil em investigações e disputas. A associação e a administradora devem manter políticas de resposta a incidentes, revogação de credenciais e comunicação transparente em caso de violação.

Responsabilidade civil e administrativa das entidades e dirigentes

A elevação de padrão de governança vem acompanhada de responsabilidade ampliada. Dirigentes devem implementar controles internos, políticas de prevenção a fraudes, segregação de funções e capacitação contínua. A administradora, por seu turno, responde pela correta execução operacional e financeira. A padronização e os prazos de adequação até 2028 reforçam a necessidade de auditorias periódicas, testes de estresse e planos de continuidade de negócios.

Mecanismos de resolução de disputas e cultura de compliance

Cláusulas de escalonamento de conflitos — atendimento, ouvidoria, mediação e, por fim, jurisdição estatal — reduzem custos e preservam relacionamento. A cultura de compliance demanda canal de denúncias, códigos de conduta, gestão de terceiros, matriz de riscos e relatórios de conformidade. Quanto mais transparente o fluxo decisório, menor a litigiosidade e maior a previsibilidade para investidores sociais e associados.

Efeitos concorrenciais e profissionalização do mercado

Ao elevar a régua de governança, a LC 213/2025 tende a filtrar players oportunistas, atrair investimentos em tecnologia e ampliar a confiança de públicos reticentes. A existência de administradoras especializadas induz ganhos de escala e melhora a qualidade média do atendimento. Na ponta, associados obtêm contratos mais claros, canais estruturados e métricas auditáveis. Em paralelo, cresce a capacidade do setor de inovar em produtos para nichos específicos, como colecionáveis e frotas com telemática avançada.

Estudos de caso hipotéticos de aplicação do novo marco

  1. Clássico original com valor de mercado acima da FIPE. Regulamento padronizado permite adotar valor acordado com laudo e dossiê fotográfico, definindo gatilho de perda total e prazos de reparo, com menor probabilidade de conflito sobre quantum.

  2. Restomod com modificações relevantes. Vistoria e declaração prévia das alterações, política de peças e livre escolha condicionada a validação técnica equilibram segurança e preservação de valor.

  3. Enchente sazonal. Carência explicitada e comunicação prévia permitem ao associado adotar medidas preventivas; em sinistro, decisão aplica critérios transparentes, com apuração célere e rito recursal definido.

Checklists estruturados para a conformidade

Para a associação: mapear lacunas regulatórias; contratar administradora; revisar regulamento e contratos; desenhar políticas de dados, rateio, carência e franquia; treinar equipes; publicar indicadores; auditar periodicamente.
Para o associado: ler o regulamento; compreender base de valoração; manter dossiê do veículo; cumprir exigências de elegibilidade; usar app e telemática com segurança; acionar canais em caso de sinistro; guardar documentação.

O papel da comunicação jurídica com os associados

Transparência é vetor de redução de litígios. Materiais padronizados em linguagem clara, FAQs, vídeos de onboarding jurídico-operacional e relatórios periódicos de desempenho constroem confiança. A LC 213/2025, ao promover padronização e supervisão, favorece a institucionalização dessa comunicação e cria incentivos para sua melhoria contínua.

Perguntas e respostas

O que muda, objetivamente, com a LC 213/2025
Muda o nível de governança e transparência: administradora obrigatória, padronização contratual mínima, indicadores e prazos de adequação até 2028. O associado tende a ter contratos mais claros, processos padronizados e canais efetivos de atendimento.

A lei transforma proteção veicular em seguro
Não. O regime continua associativo, mas com maior formalização, governança e padronização de práticas. A diferença jurídica permanece, e os instrumentos contratuais são ajustados para reduzir assimetrias de informação.

Qual é o papel da administradora
Executar a gestão operacional e financeira, padronizar rotinas, gerar relatórios e suportar a prestação de contas e a conformidade. Ela não substitui a associação, mas profissionaliza e audita processos críticos.

O que acontece se a associação não se adequar até 2028
A depender dos normativos do CNSP, a consequência poderá incluir impedimento de operar, sanções administrativas e perda de confiança do mercado. Por isso, planejamento e execução antecipados são prudentes.

Como ficam veículos antigos e de coleção
O novo ambiente facilita soluções como valor acordado com laudo, política de peças e oficinas especializadas e assistência 24 horas adequada. A clareza contratual e a governança minimizam litígios sobre reparos e prazos.

Haverá redução do rateio
Não necessariamente. O rateio é intrínseco a parte dos modelos associativos. A novidade é a transparência: fórmula, teto e comunicação com antecedência, permitindo previsibilidade e controle pelos associados.

Quais documentos devo guardar para sinistros
Relatório e prints do app de rastreamento quando houver, fotos datadas, orçamentos, notas de peças, dossiê do veículo e as comunicações oficiais com a associação e a administradora. A preservação de metadados fortalece a prova.

Como a lei impacta a proteção de dados
Exige amadurecimento de políticas e controles: minimização, finalidade, retenção, controle de acesso, resposta a incidentes e trilhas de auditoria. A governança de dados passa a ser parte explícita do programa de compliance.

Posso continuar usando oficinas de minha confiança
Depende do regulamento. A tendência é permitir livre escolha condicionada a validação técnica, orçamento compatível e cronograma, com inspeções e documentação fotográfica do reparo.

A LC 213/2025 resolve todos os conflitos
Não elimina divergências, mas cria um ambiente mais previsível e auditável. Com contratos claros, governança e métricas, a probabilidade e o custo dos litígios diminuem substancialmente.

Conclusão

A Lei Complementar 213/2025 inaugura um ciclo de maturidade institucional para a proteção veicular no Brasil. Ao impor administradora, padronização contratual e transparência, o novo marco ataca as principais fontes de insegurança jurídica e operacional que historicamente alimentaram conflitos no setor. Na prática, a lei não “estatiza” nem “seguriza” o regime associativo; ela o profissionaliza, preservando sua natureza e endereçando assimetrias de informação, fragilidades de governança e heterogeneidade de práticas.

O resultado esperado é um ambiente mais confiável para os cerca de 10 milhões de veículos hoje protegidos, com especial ganho para nichos que o seguro de massa frequentemente não atende bem, como os carros antigos e de coleção. Ao clarificar bases de valoração, critérios de perda total, políticas de peças e oficinas e métricas de assistência 24 horas, o novo marco melhora a previsibilidade das decisões e reduz a litigiosidade. Ao exigir políticas de dados e controles de acesso, dá um salto de qualidade na proteção da privacidade e na robustez probatória de eventos e sinistros. Ao impor prazos de adequação até 2028, cria uma trilha de transição que as entidades sérias podem e devem aproveitar para reposicionar processos, investir em tecnologia, treinar pessoas e comunicar melhor suas regras.

Para as associações, a hora é de execução disciplinada: mapeamento de lacunas, desenho de políticas, contratação de administradora, implantação de sistemas, auditorias e comunicação ativa com os associados. Para os associados, é tempo de leitura atenta dos regulamentos, construção de dossiês do veículo, uso responsável da telemática e participação informada nas instâncias de governança. Se cada parte cumprir seu papel, a proteção veicular sairá deste ciclo mais transparente, eficiente e juridicamente segura — exatamente como o legislador pretendeu — e o mercado terá condições de entregar, com estabilidade, aquilo que promete há anos: amparo real e previsível diante dos riscos da circulação automotiva.



Fonte: ambitojuridico.com.br